Histórico do MPM

Autor: Antônio Pereira Duarte, procurador de Justiça Militar; presidente do Conselho Consultivo da Memória Institucional, a partir de 2017.


As origens do Ministério Público Militar remontam ao ano de 1920, quando, por força do Decreto nº 14.450, de 30 de outubro, foi instituído o Código de Organização Judiciária e Processo Militar. Tal diploma legal já dispunha sobre os cargos de Procurador-Geral e Promotores Militares. Trata-se, portanto, do mais antigo ramo do Ministério Público da União.

O Ministério Público Militar, de acordo com o referido Decreto, detinha as atribuições próprias da acusação, firmando-se, ainda, a independência recíproca entre o Ministério Público e o Judiciário, no que tange ao exercício das respectivas funções.

Desde sua criação, o Ministério Público Militar vivenciou marcantes momentos da história nacional, notadamente a Revolução de 1930, a 2ª Grande Guerra Mundial e o período do Governo militar, iniciado em 1964 e finalizado com a denominada reabertura política em 1985.

E, ainda, como fato digno de registro, assistiu, em 1936, à instalação do Tribunal de Segurança Nacional – TSN , considerado tribunal de exceção, composto por juízes civis e militares, livremente escolhidos pelo Presidente da República, o qual deveria funcionar sempre que fosse deflagrado o estado de guerra, visando a processar e julgar os acusados envolvidos em atividades extremistas que pudessem atingir a segurança nacional ou malferir as instituições militares, a ordem política e social do país. Inicialmente concebido como órgão da Justiça Militar, subordinado ao então Supremo Tribunal Militar, o Tribunal de Segurança Nacional dele se desvinculou em 1937, quando emergido o Estado Novo, passando a ter atuação autônoma e regular.

Na dicção do art. 7º da Lei nº 244/36, perante o TSN funcionaria um Procurador nomeado pelo Presidente da República e, como seus adjuntos, os Promotores, os adjuntos da justiça local do Distrito Federal ou da Justiça Militar, requisitados por intermédio do Ministério da Justiça ou do Ministério da Guerra.

Certamente não era satisfatório para o Ministério Público Militar atuar em circunstâncias tão autoritárias, sobretudo pelo rompimento de garantias arduamente conquistadas ao longo dos tempos, como ocorrido em relação ao Decreto-Lei nº 4.766/42, que definia crimes militares e contra a segurança do Estado, prevendo sua aplicação retroativa. Ora, o fato de se estar em tempo de guerra, no qual normalmente são restringidas ou completamente tolhidas as garantias individuais, não justificava a aplicação retroativa de tal legislação penal, em completo descompasso com os princípios imanentes às ciências penais, especialmente o princípio da reserva legal.

Portanto, foi uma fase de anormalidade que exigiu do Ministério Público Militar um imenso equilíbrio, dadas as próprias condições impostas para a aplicação das leis então vigentes e em virtude do próprio cenário político reinante.

Saliente-se que, embora deva sua gênese ao Código de Organização Judiciária e Processo Militar de 1920, o Ministério Público Militar brasileiro somente adquiriu assento constitucional com a Carta de 16 de julho de 1934, da qual o artigo 98 previa o Ministério Público perante a Justiça Militar.

No plano infraconstitucional, o Decreto-Lei 24.803/34 introduziu alterações significativas ao Código de Organização Judiciária e Processo Militar de 1922, dotando o Promotor Militar, em cada divisão, da atribuição de zelar pelo cumprimento das regras gerais de direito das gentes e convenções de Genebra, de 27 de julho de 1929, em matéria de tratamento de prisioneiros, feridos e enfermos de campanha, inclusive orientando o comando sobre as prescrições que deveriam chegar ao conhecimento da tropa.

Com o advento do Decreto nº 17.231-A, em 26 de fevereiro de 1926, estatuindo o Código de Justiça Militar, foi criado o cargo de Subprocurador-Geral, com a missão de substituir o Procurador-Geral em suas faltas e impedimentos, bem como de atuar como Consultor Jurídico do Ministério da Guerra.

A Constituição de 1937 – denominada “Polaca” e outorgada por Getúlio Vargas – conferiu reduzido espaço ao Ministério Público, acarretando verdadeiro retrocesso institucional. Tal Constituição cingiu-se ao trato da figura do Procurador-Geral da República, então de livre nomeação e demissão pelo Presidente da República, olvidando-se do Ministério Público Militar.

Posteriormente, a Instituição passou a ter sua estrutura disciplinada pelo Código de Justiça e Organização Militar, instituído pelo Decreto-Lei nº 925/38, que, à semelhança do Decreto nº 14.450/20, estabeleceu, quanto ao exercício funcional, independência recíproca entre os órgãos do Ministério Público e do Judiciário Militar.

O velho Código de 1938, embora situasse o Ministério Público Militar como órgão auxiliar do Judiciário, conferia-lhe, por outro lado, a proeminência de incorporar o jus puniendi estatal, cabendo-lhe, por excelência, o manejo da ação penal militar.

A essa altura, é salutar não esquecer que, com o advento da Segunda Guerra Mundial, o Ministério Público Militar teve um papel destacado. Além de sua atuação nos Tribunais Militares e Especiais, esteve presente também na Itália para denunciar, fiscalizar e processar os crimes ocorridos no teatro bélico.

O Decreto-Lei 925/38 – que revogou o Decreto-Lei 24.803/34 – não previa a atribuição do Ministério Público Militar de controlar a aplicação das normas e convenções concernentes ao período de guerra, mas fato é que com o posterior desdobramento bélico e o ingresso do Brasil no II Conflito Mundial, ficou patente que tal função nunca fora tão imprescindível.

Certamente que a fiscalização da observância das regras de Direito Internacional Humanitário caberia ao Ministério Público Militar, designado para seguir com as tropas no cenário da precitada conflagração.

A edição da Portaria de 9 de agosto de 1943, assinada pelo Ministro Eurico Gaspar Dutra, criando a 1ª Divisão de Infantaria, constituiu-se no passo inaugural para a estruturação das tropas que seriam enviadas para as operações no continente europeu. A partir de então, grande desafio foi projetado para o Ministério Público Militar, que acompanharia a Força Expedicionária Brasileira – FEB até a Itália, onde assumiu, inegavelmente, notável papel, haja vista que muitas foram as ações penais deduzidas e os julgamentos realizados, face à expressiva ocorrência de crimes militares.

Com o envio das tropas brasileiras à Itália, o Decreto-Lei nº 6.396/44 passou a reger a atuação do Ministério Público e da Justiça Militar que funcionariam no contexto da hostilidade. Em tal códex, além de normas sobre a estrutura dos órgãos judiciários e suas competências, também foram disciplinadas regras pertinentes à instrução dos processos, aos julgamentos, assim como aos recursos cabíveis.

É de se observar que, por intermédio do Decreto-Lei nº 6.509/44, criou-se um Quadro Especial para os Membros da Justiça Militar da Força Expedicionária Brasileira. Com efeito, os Juízes, os Membros do Ministério Público e os Escreventes da Justiça Militar integravam um Quadro Especial de Oficiais na Reserva de 1ª Classe do Exército, inclusive usando fardamentos de acordo com seus postos.

Findada a Segunda Grande Guerra Mundial, em 2 de setembro de 1945, o Ministério Público Militar, à semelhança das demais Instituições Públicas brasileiras então existentes, procurou reorganizar-se, a fim de bem cumprir sua missão.

Fundamental para tanto foi a promulgação da Constituição de 1946, denominada de “Carta Democrática”, que restituiu ao Ministério Público o prestígio solapado pela Constituição de 1937, de modo que a Instituição voltou a figurar em título próprio, garantindo-se aos seus membros estabilidade e inamovibilidade, além de ingresso na carreira mediante concurso público. Também estabeleceu sua organização na seara federal e estadual, prevendo atuação perante a Justiça Militar.

A unidade institucional aclamada no texto da Carta de 1946 foi concretizada pela Lei nº 1.341/51, que materializou o primeiro estatuto orgânico do Ministério Público da União. No referido texto normativo, restou assente o papel do Ministério Público da União, com a função de zelar pela observância da Constituição Federal e das leis, bem como a independência que regeria a atuação de cada um de seus órgãos ante às justiças em que funcionariam.

Reservando o Título III para tratar do Ministério Público Militar, a Lei nº 1.341/51 conferiu à Instituição trato singular, especificando sua estrutura interna e as funções cometidas tanto ao Procurador-Geral da Justiça Militar quanto aos Promotores Militares.

O Procurador-Geral, na vigência do estatuto de 1951, era nomeado em comissão, recaindo sua escolha entre bacharéis em Direito que apresentassem, ao menos, dez anos de prática de foro. Relacionavam-se, entre suas inúmeras atribuições, o manejo da ação penal nos crimes de competência originária do Superior Tribunal Militar, bem como a promoção da declaração de indignidade ou de incompatibilidade para o oficialato. Tal diploma ainda extinguiu o cargo de Subprocurador-Geral da Justiça Militar, que, entretanto, seria restaurado por meio do Decreto-lei nº 267/67.

A Constituição de 1967 foi econômica no trato da Instituição, apenas fazendo constar que a lei disporia sobre o Ministério Público da União junto aos Juízes e Tribunais Federais. No Decreto-Lei nº 1.002/69, que instituiu o Código de Processo Penal Militar, diversos dispositivos disciplinam o exercício da ação penal pelo Ministério Público Militar, bem como suas atribuições perante o Superior Tribunal Militar e órgãos judiciários de 1ª Instância. Ademais, ficou consagrada, como atribuição especial, a fiscalização do cumprimento da lei penal militar, tendo em atenção especial o resguardo das normas de hierarquia e disciplina, como bases de sustentação das Forças Armadas.

Em 20 de novembro de 1973, veio a lume o Decreto nº 73.173, que cuidou da feição básica do Ministério Público Militar, assim delineada: Procurador-Geral, Subprocurador-Geral e Procuradores Militares. Com a promulgação da Lei nº 8.457/92, restou organizada a Justiça Militar da União, ficando estabelecido, nos arts. 67 e 68, que o Ministério Público da União manteria representantes naquela Justiça especializada.

A Constituição de 5 de outubro de 1988, por sua vez, constituiu um marco significativo na valorização do Ministério Público brasileiro, conceituando-o como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Para tanto, proveu-o de princípios essenciais para o pleno e equilibrado exercício das atribuições previstas em lei: a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

Ademais, a Carta de 1988 conferiu-lhe completa autonomia administrativa e financeira, separando-o do Poder Executivo, inclusive alocando-o em capítulo distinto dos demais Poderes, caracterizando-o como Instituição essencial à concretização da Justiça.

A Lei Complementar nº 75/93, em consonância com o texto constitucional em vigor, definiu o estatuto orgânico do Ministério Público da União, fixando no Capítulo III, arts. 116 a 148, diversos regramentos sobre a estrutura do Ministério Público Militar e inúmeras de suas atribuições.

Finalmente, convém ressaltar que a Lei nº 8.975, de 6 de janeiro de 1995, determinou a criação de oito cargos de Subprocurador-Geral de Justiça Militar e vinte cargos de Procurador de Justiça Militar. Posteriormente, por intermédio da Lei nº 12.673, de 25 de Junho de 2012, foram criados mais três cargos no quadro do Ministério Público Militar: um de Procurador de Justiça Militar e dois de Promotor de Justiça Militar. A carreira passou a contar, por conseguinte, com 79 membros, apresentando a seguinte composição: treze cargos de Subprocurador-Geral de Justiça Militar; vinte e dois cargos de Procurador de Justiça Militar; e quarenta e quatro cargos de Promotor de Justiça Militar.

Atualmente, em razão da expansão da presença das Forças Armadas na Amazônia, conforme Plano de Defesa Nacional(1), bem como devido às exigências do Conselho Nacional do Ministério Público, tem-se repensado a estrutura do MPM, tanto que por meio da Portaria nº 79, de 26 de março de 2013, restou instituído um Grupo de Estudos Técnicos, coordenado pelo então Subprocurador-Geral Péricles Aurélio Lima de Queiroz(2) e composto pela Subprocuradora-Geral Maria de Nazaré Guimarães Moraes e pelos Procuradores de Justiça Militar, Antônio Pereira Duarte e Rejane Batista de Souza. Após a realização de 4 (quatro) reuniões, o Grupo concluiu os trabalhos, vindo a apresentar Relatório, em 30 de junho de 2013, no qual propõe a criação de mais 14 (catorze) novos cargos de Promotor de Justiça Militar, o que elevaria o número total de membros para 93. Consoante assentado na justificativa constante do referido documento:

“A proposta objetiva não apenas ampliar o número de membros, mas descentralizar a atuação do Ministério Público Militar, acompanhando o aumento do contingente nas áreas de fronteira e nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil, de modo a possibilitar uma atuação conjunta com os demais ramos do Ministério Público , com as Forças Armadas e com as Polícia Federal e Estadual”.

Submetida à deliberação do Conselho Superior do Ministério Público Militar (CSMPM), por ocasião da 202ª Sessão Ordinária, transcorrida em 30 de julho de 2013, a proposta foi aprovada nos seguintes termos:

O CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR, observado o disposto no artigo 131, XX, da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, por unanimidade de votos, Deliberou aprovar o Relatório Final do Grupo de Estudos Técnicos de Readequação e Ampliação de cargos do Ministério Público Militar, instituído por meio da Portaria nº 79, de 26/3/2013, do Procurador-Geral da Justiça Militar, e de acordo com a deliberação deste Conselho votada na 198ª Sessão Ordinária (14.3.2013).

Deliberou, também, por unanimidade de votos, pela criação de dois Ofícios do MPM em São Paulo (PJM/SP) e Cuiabá/MT, respectivamente com dois cargos de Promotor de Justiça Militar cada um, e o número de servidores recomendado pelo Grupo Técnico.

Sessão Pauta Áudio Ata Relatório
202ª Sessão Ordinária

Após tal decisão, foi encaminhando ofício ao Chefe do Ministério Público da União – o Procurador-Geral da República, a fim de se providenciar a competente proposta de projeto de lei, a ser endereçada ao Congresso Nacional, para percorrer os competentes trâmites inerentes ao processo legislativo.

Com essa iniciativa, atende-se ao quanto previsto no Planejamento Estratégico do MPM do período de 2011-2015, visando alcançar excelência na gestão institucional, impulsionando a Instituição para o enfrentamento dos grandes e complexos desafios de um mundo cada vez mais globalizado, com incremento de riscos de toda ordem, especialmente no contexto da criminalidade difusa e transnacional.


(1) O efetivo militar deverá crescer substancialmente nos próximos anos, conforme mensagem enviada pelo Ministro da Defesa à Presidente da República, em 6 de julho de 2012, especialmente para atender a defesa da Amazônia.
(2) Aposentado como Subprocurador-Geral de Justiça Militar a contar de 1° de junho de 2016, vindo a tomar posse, na mesma data, no cargo de Ministro do Superior Tribunal Militar, conforme nomeação veiculada no Decreto de 5 de maio de 2016, publicado no Diário Oficial da União nº 86, Seção 2, página 1, para exercer o aludido cargo, em vaga destinada a membro do Ministério Público Militar, decorrente da aposentadoria do ministro Olympio Pereira da Silva Júnior. Síntese_02/06/2016_Aposentadoria Dr. Péricles Aurélio Lima de Queiroz